Querido Ano Novo,
Sei que na infinidade dos tempos tu vais chegar com a sabedoria toda dos teus antepassados e que cada dia de cada mês, trará consigo a memória intemporal e inalterável de tantos anos antes de ti. Como quem arrasta uma evidência genética e cromossómica sequencial, vais arrastar contigo dois milénios conhecidos e mais não sei quantos desconhecidos, e finalmente alguém te chamará “secular”, pelo novo século que nos vais trazer.
Vou-te esperar, mais do que sempre, com uma luz de esperança e alegria de olho a olho e, nas preces mais íntimas, vou desejar que sejas um bom ano, por mais carga de destino de começo de século e de milénio que tragas contigo. Nos teus 365 dias, vou esperar poder ir mais vezes aos confins das praias, molhar os pés na mais pequena onda das águas mais frias ou mais mornas, conforme o mês e o lugar, sentir o vento de sal na ponta da língua e do nariz e descobrir estrelas do mar por entre rochas e lagoas.
Aguardo por ti, para que me leves a passear com a minha sobrinha e os meus futuros sobrinhos, emprestados ou não, e para que na tranquilidade de quem tem meninos para tomar conta, se inventem histórias de sereias e conchas. Sei que vais chegar de mansinho, mas que em breve vais puxar pelas rédeas dos cavalos alados de Olímpio e não haverá relógio de água para cronometrar a velocidade do teu ritmo insaciável.
Como filho mais novo do Tempo, e fruto das novas eras, vais certamente dar connosco em malucos, a querer travar a tua ‘hiperactividade’ diária e a controlar a tua indisciplina “minutal”, tal como nos envolvemos a “torcer” pepinos” a jovens meninos, na fase de crescimento exponencial. Como não sentir em ti um “ano de responsabilidades”?
Muito se tem dito de ti e está algures escrito nos livros sagrados que o princípio de um novo milénio é o fim de muita espera. Espera da clarividência, da sabedoria e da invenção de uma nova esperança. Sabes, andamos nós aqui à espera de um novo milénio, como quem anda à espera de um novo menino Jesus, e é tempo de mudança.
Olhamos para trás e nos perguntamos como ainda sobrevivemos às guerras, às pestes, à Idade Média e à “Idade Mínima”, essa bem mais recente e actual, em que desde há não sei quantos tempo, andamos a não ligar a mínima aos sinais dos tempos. Os Engenheiros não ligam a mínima ao aumento da poluição, os arquitectos não ligam a mínima à invasão das florestas por torres e monstros, os adultos não ligam a mínima às necessidades básicas das crianças, nem à protecção dos vulneráveis, os poderes não ligam a mínima às iniquidades e às injustiças sociais, políticas, económicas e humanos… meu velho ano novo, chega depressa e começa a botar juízo na cabeça da gente!
Jornal O Cidadão | Dezembro 2001 | Paula Vasconcelos